Carta aos Leitores
A presente edição traz um conjunto de artigos voltados para discussão do papel dos bancos públicos no regime de produção dos BRICs. A literatura ortodoxa sobre sistema financeiro na agenda de desenvolvimento tende a estabelecer uma relação deletéria entre o papel protagonista dos bancos públicos e o funcionamento construtivo do sistema financeiro na alocação dos investimentos na economia. A principal alegação é que os bancos públicos promovem distorções de alocação e a consequente crowding out.
Um dos eixos comuns do protagonismo geopolítico e macroeconômico de Brasil, Rússia, Índia e China tem sido a capacidade de suas instituições de crédito estatais de estimular de forma coordenada setores estratégicos da economia, como infraestrutura, políticas sociais e inovação. Como veremos ao longo dos diversos capítulos, os bancos estatais públicos desempenham um papel contracíclico, garantindo estímulos de crédito numa conjuntura internacional de retração dos fundos privados em decorrência da crise financeira que atingiu principalmente o sistema bancário dos países da OCDE. Os bancos públicos estatais também têm assumidos funções de holding acionárias em diversos segmentos estratégicos, desempenhando o papel de commanding heights em áreas como indústria de energia, complexo militar e de comunicações. A capacidade de aquisição acionária das empresas chinesas em setores de ponta tecnológica tem por trás fundos de bancos chineses estatais. Um cenário que não é muito distinto na Rússia, Brasil e Índia, com a estratégia dos campeões nacionais.
De modo geral, o conjunto de trabalhos aqui reunidos procura reagir a uma premissa recorrente: a de que o sistema financeiro tenderia a convergir a um modelo centrado na coordenação do crédito via mercado de capitais. Após a crise de 2008, ficou bastante claro que há limitações regulatórias sérias nesse modelo ortodoxo e é preciso observar as variantes institucionais de alocação de crédito, onde os bancos públicos estatais desempenham um papel central. Considerando as dificuldades que os países da OCDE apresentam para sair da crise recessiva, as operações contracíclicas adotadas pelos BRICs tiveram um papel global para impedir que o quadro recessivo não redundasse em generalizada depressão global. Entender a dimensão histórica e institucional dos bancos públicos na configuração desse regime de produção é crucial não apenas para compreender os dilemas da ordem capitalista atual, como também suas possíveis alternativas.
Os Editores
Vantagens Competitivas Institucionais de Bancos Públicos
Kurt Mettenheim
Resumo: Este artigo utiliza conceitos e teorias sobre instituições, falhas de mercado, e bancos para explicar como bancos públicos tendem a superar bancos privados em funções essenciais como o custo de operações, o balanceamento de ativos e passivos, a criação de reservas, a gestão de liquidez, a manutenção da confiança de depositantes e do público em geral, a gestão de problemas relacionados à assimetria de informações, aos custos de agência, ao racionamento de crédito, à drenagem de capital, e outras falhas de mercado e fenômenos importantes de economia política.
Palavras-chave: vantagens comparativas; bancos públicos; bancos privados
The role of state in the banking industry: Evidence from Russia
Andrei Vernikov
Abstract: The article examines the role of the state in the Russian banking industry. Statistical data illustrates the market share of public banks and its dynamics over the past 25 years. We show the impact of public banks on the lending to non-financial companies, and particularly longer-term lending. Empirical findings suggest that it terms of profitability and technical efficiency the core public banks are not necessarily worse than privately held institutions. Finally, the author compares the macro-level structure and the core institutions of the banking systems in China and Russia and suggests that these are typologically more similar than different.
Keywords: Russia; banks; government; public sector; state-controlled banks
Atuação Anticíclica dos Bancos Públicos Brasileiros
Fernando Nogueira da Costa
Resumo: Neste artigo, testa-se a hipótese de que os verdadeiros fazedores do mercado de crédito bancário, para o período recente, foram os bancos públicos. Inicia-se com uma comparação das atuações desses bancos antes e depois de 2003, quando assumiu um governo social-desenvolvimentista no Brasil. Em seguida, focaliza-se a atuação social-desenvolvimentista do BNDES e, depois, o Programa de Financiamento Habitacional da Caixa Econômica Federal. Examina se a atuação anticíclica dos bancos públicos resultou em um crowding out creditício. Após comparar algumas características do sistema bancário brasileiro com as dos bancos de outros países emergentes, apresenta-se o modus operandi e as perspectivas futuras dos negócios bancários na economia brasileira. Encerra-se com uma breve conclusão que lista as principais virtudes e os eventuais defeitos dos bancos públicos brasileiros. Sugere uma possível solução para o problema de interferência política em suas direções.
Palavras-chave: bancos – financiamento do desenvolvimento
A desaceleração chinesa e o “Novo Normal”: implicações estruturais para a economia e o setor financeiro doméstico
Rafael Shoenmann de Moura
Resumo: Após décadas de crescimento econômico robusto, facultando crescente proeminência geopolítica no sistema interestatal capitalista, a China dá sinais de desaceleração em meio a profundas mudanças e incertezas em seu regime produtivo. Conforme a estratégia de desenvolvimento prévia, com forte participação dos investimentos e do desempenho exportador, parece esgotar-se, um novo cenário se desenha, com distintas oportunidades e riscos. Assim, mediante dados empíricos e literatura pertinente, este trabalho fará uma reflexão conjuntural sobre o paradigma do “Novo Normal” e seus desdobramentos para a trajetória futura da potência asiática, problematizando possíveis transformações na interlocução entre instituições de Estado e de mercado, principalmente no setor financeiro.
Palavras-chave: China; “Novo Normal”; Instituições; Sistema Financeiro; Desenvolvimento Econômico
Limits of VoC and institutional complementarities in the semi-periphery: comparative analysis of reforms in Brazil and India
Carlos Henrique Vieira Santana
Abstract: In VoC theories, adopted in OECD countries, the state does not fulfill an important role in the productive system. On the other hand, by analyzing the trajectory of the semi-periphery countries, there is no way to describe the mechanisms of institutional complementarity without holding the state in the center of the model. That’s the trajectories of Brazil and India. To evaluate the role of the state as a strategic actor in semiperipheral institutional complementarity this proposal suggests analyze the role of the state in the commanding heights of economic liberalization. In particular, the role of public banks and pension funds as anti-cyclical and coordinators actors of the new corporate ownership restructuring and external insertion adopted by large conglomerates in Brasil and India in the past ten years. Understanding this is crucial to point out the limits of theories of varieties of capitalism, providing assistance to expand its analytical scope.
Keywords: varieties of capitalism; Brazil; India; institutional complementarities; semi-periphery